Manual de redação e estilo: Lugar-comum
Por Eduardo Martin
Esclareça as suas dúvidas :: Lugar-comum
O lugar-comum
(ou chavão ou clichê) é a frase, imagem, construção ou combinação de
palavras que se torna desgastada pela repetição excessiva e perde a
força original. Deve ser evitado a todo custo no jornal, pois transmite
ao leitor uma idéia de texto superado, envelhecido e sem imaginação. Nem
sempre, porém, o chavão tem origem remota: há também os casos de
clichês recentes, difundidos principalmente pela televisão e pelo rádio e
adotados inadvertidamente pelos jornais. Veja os tipos mais usuais de
lugares-comuns e algumas dezenas deles. Considere-os exemplos de outros
que deverão igualmente ser expurgados do noticiário:
1 - As frases e
locuções. Entre os chavões mais freqüentes, estão as locuções e
combinações invariáveis de palavras (sempre as mesmas, na mesma ordem)
que também comprometem o texto. Neste caso se enquadram ainda as frases
feitas que, embora originárias da linguagem popular (dar a volta por
cima, por exemplo), terminam por se repetir à exaustão, produzindo o
mesmo efeito do lugar-comum.
Eis os
principais exemplos: abertura de contagem, abrir com chave de ouro,
acertar os ponteiros, a duras penas, agarrar-se à certeza de, agradar a
gregos e troianos, alto e bom som, ao apagar das luzes, aparar as
arestas, apertar os cintos, à saciedade, a sete chaves, atear fogo às
vestes, atingir em cheio, a toque de caixa, baixar a guarda, banco dos
réus, bater em retirada, bola da vez, cair como uma bomba, cair como uma
luva, cantar vitória, causar espécie, cavalo de batalha, chegar a um
denominador comum, chover a cântaros, chover no molhado, chumbo grosso,
colhido pelo ônibus, colocar um ponto final, com a rapidez de um raio,
comédia de erros, como um raio, conjugar esforços, consternou
profundamente, contabilizar as perdas, coroado de êxito, correr por
fora, cortina de fumaça, crivar de balas, dar com os burros n'água, dar
mão forte a, dar o último adeus, debelar as chamas, de cabo de esquadra,
deitar raízes, deixar a desejar, de mão beijada, depois de um longo e
tenebroso inverno, desbaratada a quadrilha, de vento em popa, dirimir
dúvidas, discorrer sobre o tema, dispensa apresentações, dizer cobras e
lagartos, divisor de águas, do Oiapoque ao Chuí, em compasso de espera,
empanar o brilho, em ponto de bala, em sã consciência, encerrar com
chave ou com fecho de ouro, ensaiar os primeiros passos, entreouvido em,
esgoto a céu aberto, estourar ou explodir como uma bomba, faca de dois
gumes, fazer as pazes com a vitória, fazer das tripas coração, fechar as
cortinas, fechar com chave de ouro, fez o que pôde, ficar à deriva,
fincar o pé, fugir da raia, hora da verdade, inserido no contexto, jogar
a pá de cal, jogar as últimas esperanças, jogo de vida ou morte, lavrar
um tento, lenda viva, leque de opções ou de alternativas, levar às
barras dos tribunais, literalmente lotado ou tomado, lugar ao sol, mão
de ferro, morrer de amores, morto prematuramente, na ordem do dia, nau
sem rumo, página virada, palavra de ordem, parece que foi ontem, passar
em brancas nuvens ou em branco, perder o bonde da história, perder um
ponto precioso, perdidamente apaixonado, petição de miséria, poder de
fogo, pomo da discórdia, pôr a casa em ordem, pôr a mão na massa, pôr as
barbas de molho, pôr as cartas na mesa, preencher uma lacuna, prendas
domésticas, procurar chifre em cabeça de cavalo, propriamente dito,
reencontrar o seu futebol, requintes de crueldade, respirar aliviado,
reta final, sagrar-se campeão, saraivada de golpes, sentar-se no banco
dos réus, tábua de salvação, tecer comentários ou considerações, ter
boas razões para, tirar do bolso do colete, tirar o cavalo da chuva,
tiro de misericórdia, traído pela emoção, trazer à tona, treinar forte,
trilar o apito, trocar farpas, via de regra, vias de fato, vida de
cachorro e voltar à estaca zero.
2 - As duplas. Existem substantivos e adjetivos que andam sempre aos pares, formando lugares-comuns facilmente evitáveis.
Veja alguns
deles: agradável surpresa, água cristalina, amarga decepção, briosa
corporação, calor escaldante ou senegalesco, calorosa recepção, carreira
meteórica, cartada decisiva, chuvas torrenciais, corpo escultural,
crítica construtiva, dama virtuosa, desabalada carreira, doce esperança,
doença insidiosa, duras críticas, eminente deputado ou senador, ente
querido, escoriações generalizadas, esposa dedicada, ferros retorcidos,
filho exemplar, fortuna incalculável, gesto tresloucado, grata
satisfação ou surpresa, ilustre estirpe, ilustre professor, ilustre
visitante, impiedosa goleada, infausto acontecimento, inflação
galopante, inteiro dispor, intriga soez, jogador voluntarioso, laços
indissolúveis, lamentável equívoco, lance duvidoso, lauto banquete,
manobra audaciosa, mera coincidência, obra faraônica, pai extremoso,
parcos conhecimentos, pavoroso incêndio ou desastre, perda irreparável,
pertinaz doença, poeta inspirado, prestigioso órgão, profundas raízes,
profundo silêncio, proibição terminante, rápidas pinceladas, recônditos
rincões, relevantes serviços, rigoroso inquérito, semblante carregado,
silêncio sepulcral ou tumular, singela homenagem, sol escaldante,
sólidas tradições, sólidos conhecimentos, sonho dourado, subida íngreme,
suculenta feijoada, tarefa hercúlea, tradicionais estirpes, trágica
ocorrência, tumulto generalizado, último adeus, vaias estrepitosas,
valoroso soldado, vetusto casarão, violento incêndio e viúva
inconsolável.
3 - As
imagens. As pessoas, cidades e coisas têm nomes. Criar imagens, apelidos
ou definições que os substituam só contribui para a disseminação de uma
série de lugares-comuns que o jornal, por sobriedade e bom senso, tem a
obrigação de evitar. Jamais os utilize como opção para as palavras que
estão entre parênteses:
Garoto do
Parque (Rivelino), Galinho de Quintino (Zico), Canhotinha de Ouro
(Gerson), Cidade Luz (Paris), Cidade Maravilhosa (Rio), esporte bretão
ou esporte das multidões (futebol), tríduo de Momo (carnaval), precioso
líquido (água), astro-rei (Sol), rainha da noite (Lua), soldado do fogo
(bombeiro), próprio da municipalidade (Pacaembu), o maior estádio do
mundo (Maracanã), enlace matrimonial (casamento), data magna da
Cristandade (Natal), tapete verde (gramado), balão de couro (bola),
instrumento de trabalho (bandeirinha), tiro de quina (escanteio),
profissional do volante (motorista), etc.
4 - As idéias.
Não são apenas as palavras, frases, construções ou duplas que se
reproduzem ao infinito nos textos, mas também as idéias ou formas de
abrir as matérias. Por isso, desconfie sempre de imagens "diferentes"
que surjam prontas na sua cabeça e tente lembrar-se se não passam de
recordações de outras que você já leu antes. A seguir, algumas dessas
fórmulas prontas que aparecem com freqüência nos textos:
a)
Sonho-pesadelo. A oposição sonho-pesadelo é uma delas e veja exemplos
reais de como ela já foi empregada em todo tipo de reportagem ou
notícia, principalmente nos títulos e leads: Casa própria, o sonho que
vira pesadelo / Sonho de carro vira pesadelo nos consórcios / Classe
média: acaba o sonho e começa mais um longo pesadelo / Aposentadoria, o
sonho que vira pesadelo a cada fim de mês / Ser o próprio patrão, outro
sonho que virou pesadelo / Sonho palmeirense do tri vira pesadelo / O
sonho de Israel virou pesadelo.
b) O D, P ou Z
da DPZ. Repare quantas vezes você já leu: Duailibi, o D da DPZ, ou
Petit, o P da DPZ, ou Zaragoza, o Z da DPZ. Lembre-se, então: a forma
perdeu toda e qualquer originalidade.
c) A novela.
Pense o mesmo com relação à palavra novela no sentido figurado. Ou você
já não viu n vezes títulos ou textos como: Encerrada a novela da venda
da TV Jaraguá. / Chrysler no Brasil, longa novela que pode ter um final
feliz. / Termina a novela e Juca vai para a Espanha. / Estréia de
Rossana vira novela.
d) Mestre
Aurélio. Outra forma ultrabatida é escrever sobre um determinado tema e
começar o texto pela definição do dicionário, em geral precedida de:
"Segundo mestre Aurélio". E segue-se a explicação: brega é isto,
corrupção é aquilo, leptospirose significa..., estrambótico quer
dizer...
e) Se
estivesse vivo... Além de óbvia, esta construção constitui outro
lugar-comum a evitar. E, por mais incrível que pareça, sua freqüência no
noticiário chega a preocupar: Se estivesse vivo, João de Almeida
estaria completando hoje 90 anos. E leva a absurdos como: Se estivesse
vivo, Ivan dos Santos faria hoje 400 anos.
f) Não poderia
imaginar... Outro chavão, em geral introduzido por quando: Quando fez
tal coisa, fulano não poderia imaginar que... / Quando recorreu ao
Judiciário, o delegado tal não poderia imaginar que a sentença final lhe
seria desfavorável.
g) O fantasma.
Mais uma imagem repetitiva de que convém fugir. Em geral, alguma coisa
traz de volta o fantasma de outra: Desemprego traz de volta o fantasma
da recessão de 83 / Corrida preços-salários traz de volta o fantasma da
hiperinflação / Decisão revive fantasma do AI-5 / Empresariado teme a
volta do fantasma do grevismo.
h) Negócio da
China. Já se abusou da imagem negócio da China para tornar mais
"atraentes" títulos sobre a vinda do Brasil de missões daquele país:
Missão traz negócio da China ao Brasil / Preços são verdadeiros negócios
da China / Negócio da China chega ao sertão do Nordeste / Empresários
viajam em busca de negócios da China.
i) Não
convidem para a mesma mesa ou reunião. Perdeu todo o sabor de novidade
essa recomendação: Não convidem para a mesma mesa a cantora e seu
ex-empresário. / Não convidem para a mesma reunião o ministro X e o
governador Y.
j) Vem aí.
Diga-se o mesmo do bordão vem aí para qualquer notícia referente ao
animador Sílvio Santos (Sílvio Santos vem aí para prefeito, por
exemplo).
k) Do cardápio
fez parte. Outra forma que o uso exagerado vulgarizou é esta:
noticia-se um almoço entre duas ou mais pessoas e segue-se a informação
de que do cardápio fez parte a sucessão presidencial, a fusão da empresa
X com a Y ou qualquer outro assunto.
l) Também é
cultura. Mais uma imagem empregada à exaustão: Esporte também é cultura /
Verde também é cultura / Ilusão também é cultura / Quadrinho também é
cultura / Ecologia também é cultura. Enfim, tudo o que se quiser também é
cultura.
m)
Quente-frio. Trocadilho que o bom senso aconselha a banir do noticiário:
Corinthians esquenta o verão de Caraguatatuba / Roupas de frio: preços
quentes / Liquidações de inverno aquecem vendas / Preços de roupas de
frio podem ser de arrepiar / Inverno aquece lazer na capital / Crise
esfria comércio de agasalhos / Produtos de verão chegam com preços
escaldantes.
5 - Ver também modismo.
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